Benito Mussolini, num discurso proferido na Câmara dos Deputados no dia 26 de Maio de 1927, disse uma frase que define concisamente a ideologia do fascismo: "Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado".[1][2] [3]
Mais tarde, num artigo da Enciclopedia Italiana, de 1931, [4] , escrito por Giovanni Gentile e Benito Mussolini, o fascismo é, além de explicitado nas suas principais linhas filosóficas, descrito como uma doutrina cujo "fundamento é a concepção do Estado, da sua essência, das suas competências, da sua finalidade. Para o fascismo o Estado é um absoluto, perante o qual indivíduos e grupos são o relativo. Indivíduos e grupos são "pensáveis" enquanto estejam no Estado" [5].
Nesse texto de 1932, Mussolini identifica "no grande rio do Fascismo", as correntes que nele vão desaguar, e que terão as suas fontes em Georges Sorel, Charles Peguy, Hubert Lagardelle do Movimento Socialista, e nos sindicalistas italianos que, entre 1904 e 1914, teriam trazido um novo tom ao ambiente do socialismo italiano - Angelo Oliviero Olivetti da Pagine Libere, Orano de a Lupa, o Enrico Leone de Divenire sociale.
Em 1928, na "Autobiografia" ditada a Richard Washburn Child, Mussolini disse que estudou muito o risorgimento e o desenvolvimento da vida intelectual italiana depois de 1870, que "meditou muito com os pensadores alemães", que admirava os franceses, e que um dos livros que mais o tinha interessado fora "A Psicologia das Multidões" de Gustave Le Bon. Colocando-se o problema da Revolução, Mussolini rejeitava o bolchevismo, e que, a ser realizada uma Revolução em Itália, esta deveria ser "tipicamente italiana", firmando-se "nas dimensões magnificentes das ideias de Mazzini e com o espírito de Carlo Pisacane" [6]
Em 1932, Mussolini diz que o Fascismo terá recebido muitas influências, mas que estas não constituíram o Fascismo: "um partido que governa totalitariamente uma nação, é um fato novo na história" [7]. E acrescenta que "não há pontos de referência ou de comparação" com os seus antecessores. No entanto, Mussolini diz também no mesmo texto que o francês Ernest Renan teve "iluminações pré-fascistas" [8] e que o Fascismo fez seu o duplo conselho de Giuseppe Mazzini: "Pensamento e Acção" [9].
Entre os antecessores, em 1932, "Renan e Mazzini são afinal os únicos autores a quem Mussolini aceita pagar algum tributo intelectual." Com estas ressalvas, Mussolini insiste no entanto em proclamar a "novidade do fascismo", apresentando, em apêndice (edição de 1935), as referências que remetem para os seus próprios discursos e textos. [10].
Mussolini diz-nos também neste texto o que o Fascismo não é. O fascismo não se filia no pensamento contra-revolucionário: Mussolini não toma "Joseph de Maistre como seu profeta"; Mussolini diz que o Fascismo respeita a Igreja, mas recusa a sua religião, a "eclesiolatria" [11], como lhe chama.
O corpo do texto está dividido em duas partes: 1ª. Ideias fundamentais; e 2ª. Doutrina Política e Social.
[editar] Ideias fundamentais
Sob o título "ideias fundamentais", os assuntos surgem distribuídos por 13 parágrafos, mas com as notas arrumadas no anexo em 11 títulos [12]:
- 1. Concepção filosófica. Apresenta o Fascismo como acção (prática) e pensamento (ideia) político. Considera que toda a acção é contingente ao espaço e ao tempo, havendo no seu pensamento um "conteúdo ideal que a eleva a fórmula de verdade na história superior do pensamento" [13]. Diz que "para se conhecer os homens é preciso conhecer o homem; e para conhecer o homem é preciso conhecer a realidade e as suas leis" [14]; não há um conceito de Estado que não seja uma concepção da vida e do mundo.
- 2. Concepção espiritual. É a partir de uma "concepção espiritual" que o homem é definido pelo fascismo. Na sua concepção, o homem é um "indivíduo que é nação e pátria" [15]; há, na sua perspectiva, "uma lei moral que liga os indivíduos e as gerações numa tradição e numa missão" [16];
- 3. Concepção positiva da vida como luta. A sua "concepção espiritual" define-se por oposição ao materialismo filosófico do século XVIII; sendo antipositivista, é porém positiva (antipositivistica, ma positiva); não é céptica, nem agnóstica, nem pessimista [17]. Pretende o homem activo e impregnado na acção com toda a sua energia. O que se aplica ao indivíduo, aplica-se à nação;
- 4. Concepção ética. Tem uma concepção ética da vida, "séria, austera, religiosa": [18]; o fascismo desdenha a vida "cómoda";
- 5. Concepção religiosa. O homem é visto numa relação imanente com uma lei superior, com uma Vontade objectiva que transcende o indivíduo particular e o eleva a membro de uma sociedade espiritual [19].
- 6. Concepção histórica e realista. O homem é visto como um ser na história, num fluxo continuo em processo de evolução; tem no entanto uma visão "realista", não partilhando o optimismo do materialismo filosófico do século XVIII que via o homem a caminho da "felicidade" na terra;
- 7. O indivíduo e a liberdade. A concepção fascista é definida como "antiindividualista", colocando o Estado antes do indivíduo [20]; o liberalismo negou o Estado no interesse dos indivíduos particulares, o fascismo reafirma o Estado como a verdadeira realidade do indivíduo [21]. Para o fascismo, tudo está no Estado - a sua concepção é totalitária [22]. Para o fascismo, fora do Estado não há valores humanos ou espirituais.
- 8. Concepção do Estado corporativo. "Não há indivíduos fora do Estado, nem grupos (partidos políticos, associações, sindicatos, classes)" [23]; defende um corporativismo no qual os interesses são conciliados na unidade do Estado [24]; diz-se contrário ao socialismo que reduz o movimento histórico à luta de classes e, analogamente, é também contrário ao sindicalismo.
- 9. Democracia. O fascismo opõe-se à democracia que entende a nação como a maioria, descendo o seu nível ao maior número; o fascismo considera-se no entanto como "a mais pura forma de democracia se o povo for considerado do ponto de vista da qualidade em vez da quantidade", como uma "multidão unificada por uma ideia, que é vontade de existência e de potência: consciência de si, personalidade" [25]. O fascismo defende "uma democracia organizada, centralizada, autoritária", exercida através do partido único.
- 10. Concepção do Estado. Para o Fascismo a nação não cria o Estado; é o Estado que cria a nação. Considera o Estado como a expressão de uma "vontade ética universal", criadora do direito, e "realidade ética". Na sua concepção é o Estado "que dá ao povo unidade moral, uma vontade, e portanto uma efectiva existência" [26].
- 11. Realidade dinâmica. Na concepção fascista o Estado deve ser o educador e o promotor da vida espiritual. Para alcançar o seu objectivo, quer refazer não a forma da vida humana, mas o conteúdo, o homem, o carácter, a fé [27].
A filosofia do Fascismo, tal como a definiu Mussolini, é assim uma filosofia essencialmente moderna e modernista.
[editar] Doutrina política e social
Na segunda parte do texto, acerca da "Doutrina Política e Social" [28]do Fascismo, Mussolini começa por traçar o itinerário do seu pensamento e acção. Ponto de partida, o Socialismo; ponto de chegada, o Fascismo.
Até ao inverno de 1914, Mussolini é um socialista. Em 1919, quando são lançados os fasci em Milão, não têm uma doutrina, mas têm um programa e, sobretudo, têm a "fé". Rejeitam o Socialismo reformista de Bernstein, integrando a "esquerda revolucionária" que privilegia a doutrina da acção. Depois da guerra, o Socialismo reformista estaria já morto como doutrina. Nessa altura, com as expedições punitivas da Itália decorrendo em pano de fundo, os fasci estavam confrontados com várias forças políticas - "liberais, democratas, socialistas, maçónicos, e com o Partito Popolare" – , e respectivas doutrinas. Isto enquanto enfrentavam vários problemas; como o da relação entre o indivíduo e do Estado; o da relação entre autoridade e liberdade; e o problema nacional italiano.
Entre a Marcha sobre Roma (Outubro de 1922) e os anos 1926, 1927, e 1928, o Fascismo foi sendo espelhado nas leis e instituições do regime fascista. A doutrina do Fascismo é apresentada por Mussolini como um produto do seu exercício do poder na Itália dos anos 1920. Em 1932, por fim, o Fascismo estaria já definido como regime e como doutrina.
Neste texto, em 1932, Mussolini começa por negar três ideias-chave: 1. O pacifismo; 2. O internacionalismo. 3. A equação "bem-estar = felicidade". Mas nega também três doutrinas políticas modernas que lhe são anteriores: o socialismo, o liberalismo e a democracia.
Estas doutrinas têm a sua própria história, que Mussolini enuncia com brevidade: do socialismo utópico (Fourier, Owen, Saint-Simon) saíra o socialismo científico de Marx; do Iluminismo do século XVIII saíra o liberalismo do século XIX; do enciclopedismo saíra a doutrina democrática. Cada uma dessas doutrinas terá chegado ao século XX, superando as respectivas origens em resposta a novas necessidades.
Segundo Mussolini, o Fascismo estaria agora a abrir uma nova época realizando uma síntese doutrinária que a todas superaria. Encontrara um campo de doutrinas em ruína, a partir das quais construíra um novo edifício - "O fascismo, das ruínas das doutrinas liberal, socialista, e democrática, extrai aqueles elementos que têm ainda um valor de vida." [29].
Diz-nos pouco acerca do que aproveita, mas esclarece o que rejeita. O Fascismo, segundo Mussolini, do socialismo científico, rejeita o materialismo histórico (determinismo económico) e o conceito de luta de classes; do liberalismo, recusa a economia e a política, e tanto por razões doutrinárias como por razões históricas (a Itália sofrera a derrocada sob o liberalismo); da democracia, recusa o sufrágio universal que "dá ao povo a ilusão de ser soberano, enquanto a verdadeira e efectiva soberania está noutras forças irresponsáveis e secretas" ([30]. Até 1922, o fascismo fora republicano; o dilema república ou monarquia estaria porém já ultrapassado. Uma invocação histórica justifica o argumento, fazendo-nos pensar uma vez mais em Giuseppe Mazzini: "A República Romana foi morta por uma República irmã, a da França".
O Fascismo de Mussolini vinha colocar uma concepção da "vida como luta" no centro da sua doutrina; afirma-se "pragmático", no seu desejo de poder, desejo de viver, na sua atitude face à violência, na afirmação da violência como valor. "Activismo, quer dizer nacionalismo, futurismo, fascismo."
Para Mussolini, assim como o século XIX fora o século do indivíduo, o século XX seria o século do Estado. Foram referidas acima as ideias essenciais da sua doutrina do Estado. Mas falta citar a "iluminação pré-fascista" de Ernest Renan, que a terá motivado:
"A razão, a ciência – dizia Renan, que teve uma iluminação pré-fascista numa das suas Meditações filosóficas - são produtos da humanidade, mas querer a razão directamente pelo povo e através do povo é uma quimera. Não é necessário pela existência da razão que todo o mundo a conheça. Em todo o caso se tal iniciação se devesse fazer não seria feita através da baixa democracia, que parece conduzir à extinção da alta cultura, e da mais elevada disciplina. O princípio de que a sociedade existe somente para o bem estar e a liberdade dos indivíduos que a compõem não parece estar em conformidade com os planos da natureza, planos nos quais a espécie só é tomada em consideração e o indivíduo parece sacrificado. É de temer fortemente que a última palavra da democracia assim entendida (…) não seja um estado social no qual uma massa degenerada não teria outra preocupação que gozar os ignóbeis prazeres do homem vulgar".
O último parágrafo do texto explica a razão de ser da sua doutrina: o Estado fascista é uma vontade de potência e de império. A tradição romana é aqui uma ideia de força.